A IRREVERÊNCIA DO ESTÚDIO MULA PRETA

"No antigo sertão, onde o gado vagava livremente em terras sem demarcação, os animais eram marcados com o símbolo do proprietário, juntamente com o sinal do rio onde a propriedade estava situada. Para trabalhar na fazenda, usavam-se cavalos, burros e mulas. O cruzamento de uma égua com um burro resultava na mula — um animal híbrido, tipicamente estéril, mas bastante resistente."

No escritório da casa de madeira, de frente para o mar em Natal, crianças ouviam atentamente a narrativa de um avô divertido. À medida que a história avançava, seres inanimados, esboçados pelo sabor da aventura, ganhavam vida na imaginação das crianças. Muitos anos depois, o jovem arquiteto Felipe Bezerra começou a fazer esboços, muito parecidos com as histórias envolventes de seu avô. Ele enchia cadernos com ideias.

Quando encomendou modelos digitais do designer industrial autodidata André Gurgel, Felipe encontrou um parceiro que também fazia esboços de móveis em seus cadernos. A empatia e a amizade surgiram instantaneamente. O que começou como um jogo se transformou em um negócio sério, e os esboços viraram móveis de design — assim, nasceu o Mula Preta.

O nome é uma referência a um dos primeiros sucessos de Luiz Gonzaga, o "Rei do Baião" do nordeste. Mula Preta simboliza a irreverência do estúdio, dedicado a produzir móveis contemporâneos com uma personalidade distinta.

Os designers nascidos em Natal decidiram marcar sua presença em terras distantes. Para isso, encontraram um novo parceiro, Uelinton Ribeiro, e os três trabalharam juntos para chegar a São Paulo — a cidade mais cosmopolita do Brasil. Foi escolhida para ser a sede do Estúdio Mula Preta, precisamente na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, nº 289, um endereço prestigiado em arquitetura, decoração e design na capital.

O estúdio abriu suas grandes portas em novembro de 2020. À frente, um jardim que lembra a robusta vegetação do sertão, projetado pelo paisagista Alex Hanazaki. A fachada preta ostenta o logotipo do Mula Preta, bem ao lado da Taschen, a editora alemã dedicada a livros de arte, que terá um espaço exclusivo de exposição e venda de seu portfólio na loja.

Dentro da loja, há um amplo espaço para os visitantes respirarem e se surpreenderem com cada peça criativa de mobiliário. Como exceção à regra, ao contrário do animal estéril ao qual se refere o nome, Mula produz, e produz abundantemente! Faça uma pausa para uma boa conversa com André Gurgel, já que Felipe Bezerra já foi entrevistado por mim. A alegria do talentoso designer é evidente em seu comportamento. Falamos sobre o processo criativo, insights e troca de ideias de uma dupla que trabalhou em completa sinergia por mais de uma década, produzindo objetos sem propriedade exclusiva. E os pequenos cadernos continuam repletos de esboços.

Desses processos surgem centopeia, cavalete, tetris, kichute, cacto, acordeão, pivete, falésia, ping x pong, pebolim, apito, duna, basquete. Nomes de bancos, consoles, mesas, sofás, poltronas e objetos. Peças lúdicas, irreverentes e funcionais que remetem aos contadores das suas próprias histórias.

O trabalho árduo e persistente da dupla, Felipe Bezerra e André Gurgel, chegou a São Paulo com a determinação, audácia e ousadia daqueles que acreditam no que fazem, que se reconectam com suas raízes e provam que sua identidade pode ser sinônimo de contemporaneidade. Além de móveis, os livros da Taschen são exibidos estrategicamente na estante K7. A editora alemã se funde com o design nordestino de estatura contemporânea. Uma estante coberta de arte em um ambiente que respira design e funcionalidade.